MONTESQUIEU E A HISTÓRIA
Renato Matsui Pisciotta
Resumo: Montesquieu é filósofo mais conhecido pela sua obra política.
Entretanto, também se dedicou à História e apresentou aspectos bastante
modernos em sua obra. É autor que aperfeiçoa, no contexto do Iluminismo,
concepções mecanicistas típicas do século XVII, aplicando-as à compreensão das
sociedades em geral. Partindo de uma espécie de “história-problema”,
Montesquieu examina os motivos da ascensão e queda dos romanos. A harmonia
entre os poderes políticos e o espírito cívico da população seriam chaves para
o sucesso de um povo.
palavras-chave: Montesquieu , História, Jusnaturalismo ,
Iluminismo.
Barão de Montesquieu é o título de nobreza de Charles-Louis de
Secondat, filósofo francês iluminista bastante conhecido pela obra "O
Espírito das Leis", de 1748. Nesta o autor defende a separação de poderes
e o governo constitucional. Apesar de ser mais conhecido pela sua obra
política, Montesquieu também realizou incursão pelo campo da História com o
estudo "Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua
decadência", escrito em 1734.
Nas suas diversas obras, Montesquieu recusa a interpretação
teológica da História e da Política. Ao definir a lei como "relações
necessárias que derivam da natureza das coisas", ele recusa a
fundamentação religiosa do Direito e adere a uma perspectiva
newtoniana-mecanicista típica do século anterior.
De fato, é no século XVII que se organiza o jusnaturalismo
moderno, característico de autores como Hugo Grócio e Samuel Pufendorf. De
acordo com esta perspectiva é possível, através do uso da razão, conhecer os
fundamentos naturais das leis humanas. A ideia seria imaginar que, embora
ocorram variações na organização dos grupos humanos, existem princípios
universais característicos das relações entre os homens. Uma analogia pode ser
feita com a geometria: embora seja possível que triângulos sejam diferentes
entre si, todos tem 3 lados e seus ângulos internos somam 180 graus. Da mesma
forma, as sociedades podem apresentar diferenças de conformação
jurídico-política, mas todas possuem regras universais advindas das relações
entre os diversos corpos sociais.
Este modo de compreender a sociedade é rearticulado nas diversas
formas de Iluminismo do século XVIII. Montesquieu, por exemplo, acreditava na
existência destes princípios organizativos em todas as sociedades ao longo da
História como, por exemplo, entre os romanos.
Assim, a marcha da História não é mero capricho. Existe uma
racionalidade na vida social que permite a compreensão da História como algo
mais que a ação individual. A maneira de Montesquieu lidar com o tema guarda
alguma similaridade com historiadores posteriores. Em suas "Considerações
sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua decadência", Montesquieu
realiza estudo histórico a partir de um determinado tema: o que tornou Roma
grande e como foi possível a sua queda?
A primeira observação deve ser quanto à perspectiva adotada: ao
escolher o exame das causas da ascese e queda de Roma, Montesquieu faz estudo
histórico calcado em um problema. Renato Moscateli observa que se trata da
“busca por escrever uma História capaz de interpretar os eventos ao invés de
apenas narrá-los”[1].
Assim, as "Considerações sobre as causas da grandeza dos
romanos ...” examina, de início, a origem do crescimento romano. Este se devia
a um espírito guerreiro praticamente invencível. Os primeiros romanos teriam
uma disposição para a guerra quase constante associada à igualdade de condições
econômicas da maior parte da população. A pobreza desses primeiros tempos
levava os romanos à união em busca de riquezas exteriores, que seriam
repartidas entre todos. O poder político também não estaria excessivamente
concentrado em uma pessoa ou órgão. Esta separação dos poderes na República
teria sido essencial ao sucesso romano[2].
À medida que Roma cresce e se transforma em um Império, os
problemas surgem. A riqueza de alguns estratos sociais aumenta espantosamente
em relação a outros, menos favorecidos. Nas imensas fronteiras, povos muito
diferentes entre si disputavam a cidadania romana, em busca das riquezas do
império. A coesão interna e a unidade do espírito romano, assim, terminaram por
se esboroar. As invasões bárbaras encontraram um povo romano que já não ostenta
o mesmo vigor e virtudes de outros tempos.
Neste sentido, o foco de Montesquieu nas suas “Considerações
...” não difere tanto do apresentado no “Espírito das Leis”. Neste, a separação
dos poderes entre si está de acordo com o equilíbrio dos corpos sociais, noção
oriunda do mecanicismo. É necessária também a harmonia entre o poder político e
o espírito cívico da população. A ausência destes predicados indica
dificuldades ou decadência de uma nação.
Ao elaborar este raciocínio, Montesquieu se aproxima e se
distancia de grandes sistemas de pensamento modernos. Aproxima-se, na medida em
que busca as leis naturais da sociedade, o equilíbrio interno entre os poderes.
Afasta-se delas, porém, em algo essencial: o conceito de História.
De acordo com Koselleck, “a mudança decisiva da imagem sobre o
mundo físico e a consequente mudança dos conceitos de matéria, movimento,
tempo, infinito, cuja consolidação foi avançando até meados do século XVIII, as
tentativas de uma temporalização e dinamização generalizadas das visões sobre o
mundo trouxeram muito mais desafios do que impulsos de desenvolvimento para o
conceito de História nessa época. (...) os historiadores e a enciclopédia lidam
com um conceito reduzido de História, limitado à narração ou à descrição dos
fatos”[3]
(grifo nosso). É característico desse conceito de História, portanto, a
narrativa descritiva.
Montesquieu, ao problematizar a História
romana, representa uma mudança nesta forma de proceder. Para ele o escrutínio
dos motivos e das causas é relevante, indicando uma consciência histórica
diferente em relação ao universo conceitual do Seiscentos europeu.
Renato Matsui
Pisciotta possui graduação em História e Direito (Universidade de São Paulo),
mestrado em História Social (Universidade de São Paulo), doutorado em História
Social (Universidade de São Paulo) e é professor na Universidade de Mogi das
Cruzes e na Faculdade Unida de Suzano.
Referências
ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon. Montesquieu: sociedade e poder. In WEFFORT,
Francisco (org.) Os clássicos da Política vol 1. São Paulo: Ática, 2004
KOSELLECK, Reinhart et al. O conceito de História. Belo
Horizonte: Autêntica, 2016
MONTESQUIEU. Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua
decadência. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002
_______________. O espírito das Leis. São Paulo: Martins
Fontes, 2000
MOSCATELI, Renato. Montesquieu. In LOPES, Marcos Antonio (org.).
Ideias de História - Tradição e inovação de Maquiavel a Herder. Londrina:
EDUEL, 2007
PISCIOTTA, Renato Matsui. A experiência da lei: do pluralismo medieval
à modernidade. In VESTENA, Carolina Alves e SIQUEIRA, Gustavo Silveira
(coordenadores). Direito e Experiências jurídicas - temas de História do
Direito vol3. Belo Horizone: Arraes Editores, 2013
REALE, G. e ANTISERI, D. História da Filosofia vol.4.São Paulo:
Paulus, 2005
Renato Matsui Pisciotta, sou Thayenne Nascimento, mestranda em História. Seu texto é extremamente perfeito. Para quem não conhece o Montesquieu historiador, você fornece uma visão bastante clara. Montesquieu não é um homem de letras que eu tenha afinidade, mas muito interessante ver a visão teleológica época Iluminista difundida entre os mais diferentes intelectuais. Curiosamente o que tenho dele é o "espírito das leis". Vou em busca desta obra que você analisou em seu texto.Parabéns pelo texto e sucesso.
ResponderExcluirObrigado, Thayenne! A intenção era justamente mostrar a concepção de História de Montesquieu e fico feliz que isso tenha ficado claro!
ExcluirRenato
De fato, eu não conhecia o pensamento de Montesquieu sobre a história e passei a conhecer mais agora.
ResponderExcluirÉ triste que na maioria dos cursos de graduação as disciplinas relativas a teoria e filosofia da história foquem quase que exclusivamente em Annales e Marxismo. Uma vez que a teoria da História passou por tantas transformações, seria muito enriquecedor que estudássemos as principais teorias que se destacaram desde Heródoto até os movimentos mais novos da História.
É interessante perceber em Montesquieu métodos muito atuais como a história problema, a reflexão histórica a partir das questões do presente, a superação da história meramente narrativa para uma história explicativa.
Muito obrigado.
Dean Tarik Silva Araújo
Graduando em História pela Universidade Federal de Uberlândia
De fato, Montesquieu não aparece no rol habitual dos grandes teóricos da História. Ainda assim existem, na sua obra, aspectos inovadores e interessantes que merecem reflexão.
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