JOSÉ HONÓRIO RODRIGUES E A HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA: UM HISTORIADOR QUE PENSOU ALÉM DE SEU TEMPO?
Krisley Aparecida de Oliveira


Resumo: Nosso esforço para trazer luz e foco ao trabalho e pesquisa de José Honório Rodrigues, parte de sabermos da importância de tal historiador no cenário dos estudos da historiografia brasileira, e, entendendo-o como uma figura que merece local especial, primeiro enquanto um dos pesquisadores que mais dedicou-se ao tema, na produção e investigação de livros de história, a ponto de ser considerado, pelos que já se debruçaram a estudá-lo, como o que mais produziu sobre o assunto, e, em segundo, por ser autor de inúmeros livros, relativos a diversos assuntos, temas e acontecimentos marcantes na história do Brasil. Portanto, pensar como foi, e é, a recepção, análise e estudo da obra de José Honório na academia, é de extrema importância para a preservação e compreensão de tão notório pensador.
Palavras-chave: José Honório Rodrigues; Historiografia brasileira; Pesquisa histórica.

No que se refere ao contexto brasileiro, os estudos de José Honório Rodrigues, costumam ser atribuídos como pioneiros para a historicização da produção historiográfica nacional (GUIMARÃES, 1995). É importante salientarmos que, o momento crítico dos estudos historiográficos costuma ser entendido como o sintoma de um momento singular de crise da disciplina nas décadas finais do século XX, marcada por uma tomada crítica e reflexiva dos historiadores acerca de seu ofício e dos pressupostos da pesquisa histórica. Mais do que simples, para alguns, e mais inquietante para outros, questão de campo disciplinar, o que se observa e analisa agora é o problema de uma “consciência historiográfica”, utilizando a expressão de Pierre Nora, o que contribuiu de forma decisiva para o entendimento da historiografia como lugar de memória e, portanto, como objeto, entre outros, de investigação dos historiadores.
Em busca de desfazer a noção de conhecimento do passado enquanto exercício de rememoração, a história da história, alinhada às demandas dessa nova “etapa epistemológica” da disciplina, passou a orientar-se por uma série de indagações acerca dos procedimentos, categorias e conceitos que tornam possível a sua elaboração, portanto, desde que passou a ser entendida como dotada de historicidade, ou seja, condicionada pelo ponto de vista de seu autor, lugar de sua elaboração e tempo, tanto a pesquisa como a escrita da história passaram a demandar a abordagem crítica das produções historiográficas que a precederam.
Trabalhando com a perspectiva sobre a qual a professora Pallares-Burke (2005) chama atenção, no que se refere ao termo ‘influência’ poder dar a noção de um receptor passivo de ideias alheias, pensaremos em José Honório Rodrigues sempre como um historiador que manteve diálogo com outros intelectuais, estrangeiros e nacionais, sendo sempre sujeito crítico, criador e inovador. Tendo mantido diálogo com Marx, Weber, Hegel, G. Barraclough, Croce, Toynbee, Huizinga, Dilthey, Collingwood, Rickert, em meio aos estrangeiros, e Capistrano, Taunay, Varnhagen, Rodolfo Garcia dentre o brasileiros, o notamos sempre como ferrenho e ácido crítico a inúmeros posicionamentos, bem como leitor dos mais diversos posicionamentos e ideologias.
José Honório ocupa espaço de destaque na historiografia brasileira não apenas por pensar em aspectos muito importantes que dizem respeito à pesquisa e escrita da história, bem como o ofício do historiador, mas também pela vasta produção bibliográfica, escreveu dezenas de artigos em jornais e revistas, muitos foram aproveitados em livros, bem como os ensaios. Nasceu em 1913 e faleceu em 1987, portanto, atravessou e participou ativamente de grande parte dos debates historiográficos da história do Brasil, o que nos faz perceber, que não se furtou a mudar seus posicionamentos conforme suas experiências e estudos, bem como ele mesmo disse (1978b) as teorias passam e os fatos permanecem.
Portanto, tentar compreender a sistemática da construção do pensamento de um historiador que, em meados de 40 já se preocupava com questões como o ofício do historiador e os processos de pesquisa para a fundamentação de uma ciência histórica é de suma importância para a historiografia brasileira.
Conforme mencionamos inicialmente, José Honório tem uma vasta produção, no que se refere aos estudos que fez acerca da historiografia brasileira, pensamos e mencionamos aqui, três obras as quais consideramos como sendo de grande relevância, são elas: Teoria da História do Brasil (1949), A Pesquisa Histórica no Brasil (1952) e História da História do Brasil (1978), (ressaltando que essas são as datas das primeiras edições das obras, nós utilizamos as últimas edições lançadas, pelo fato de conter acréscimos de textos e posfácios feito pelo próprio autor), evidentemente, há ainda grandiosa produção sobre historiografia dividida entre artigos e publicações feitos em jornais.
Recorremos a essas obras, porque entendemos que nelas, há um esforço de José Honório que aponta para uma revisão historiográfica de como se produz História no Brasil, ademais, entendemos as três obras, como sendo parte de um único projeto, onde o historiador visa uma modernização do Brasil, não adentraremos nessas perspectiva nesse texto, mas abordaremos alguns dos aspectos marcantes nessas obras que nos faz pensar nessa hipótese de modernidade.
Antes de entrar nos pontos específicos, achamos importante mencionar que José Honório cursou, como centenas de brasileiros naquela época, a Faculdade de Direito, bacharelou-se em 1937. O direito lhe tocava pouco à sensibilidade, assim, o universo jurídico, preso mais ao ideal do que ao real, não era provocante para a sua inteligência. Foi então trabalhar no Instituto Nacional do Livro, com Sérgio Buarque de Holanda, permanecendo de 1939 a 1944.
Nesse mesmo período, teve a interessante oportunidade de uma bolsa da Fundação Rockfeller, para um curso na Universidade de Colúmbia e pesquisas que lhe mostraram a riqueza dos arquivos estadunidenses, e a importância dos estudos acerca da metodologia, quase ignorados entre nós, o que foi fato, em nossa perspectiva, decisivo em sua carreira e mesmo na história da documentação no Brasil.
O que nos leva a pensar esse projeto de modernidade brasileira elaborado por José Honório, está ligado ao fato do mesmo entender, e pontuar crítica e enfaticamente que há um atraso nas pesquisas no Brasil, quando retorna em 1944 de suas viagem para a Universidade de Colúmbia, está convencido de que os problemas nas bibliotecas e arquivos no Brasil são sérios, alegando que no que se referia a estudos históricos o Brasil estava muito atrasado em relação aos E.U.A. (RODRIGUES, 1945)
Em A Pesquisa Histórica no Brasil, descreve procedimentalmente como deve ocorrer uma pesquisa, mantendo diálogo com diversos autores, inclusive para chegar ao que pensa ser uma pesquisa histórica, mantém um diálogo crítico com Hegel, apontando que o mesmo escrevia que o homem é um ser pensante, e que em todo ser humano, há um pensamento, e, portanto, há um pensamento em toda a ocupação com a História, e que a história deveria recolher somente àquilo que é, e tem sido, ou seja, os acontecimentos e os atos, e, para que isso ocorra, os historiadores deveriam se atentar aos dados, ainda que de maneira imediata isso não se ofereça, e que exija-se inúmeras investigações, pois o verdadeiro não se acha na superfície visível.
Prossegue, apontando que Hegel foi adiante, lembrando que no alemão a palavra História reunia um sentido objetivo, o de acontecer, fazer-se, e um sentido subjetivo, de relato do que aconteceu. Ou seja, significa então, tanto os acontecimentos quanto a narração histórica, afirma que para Hegel, a palavra história, indica o que aconteceu e também o relato do acontecido, ela não é concebida como um passado, mas também como presente, sendo assim ele irá definir a pesquisa histórica como:

(...) a descoberta cuidadosa, exaustiva e diligente de novos fatos históricos, a busca crítica da documentação que prove a existência dos mesmos, permita sua incorporação ao escrito histórico ou a revisão e interpretação nova da História. Ela deve obedecer aos princípios críticos da disciplina, às regras acumuladas pelo equipamento das chamadas ciências auxiliares, em suma, identificar-se com as técnicas do historiador. A descoberta dos fatos, da documentação, e o seu uso correto constituem a pesquisa. (RODRIGUES, 1978a, p. 21)

É enfático ao apontar que a pesquisa histórica nasceu com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, antes disso existia apenas pesquisas individuais, de poucos como Varnhagen e Capistrano, que tentaram sistematizar os levantamentos bibliográficos, tentando deixar de lado a velha compilação que era então tão utilizada, e sobre a concepção dele, tradicionalista, atrasada e conservadora.
Percebemos que a preocupação do autor em discutir desde a Teoria da História do Brasil, a fundamentação de uma ciência histórica, por meio da pesquisa, em Pesquisa Histórica no Brasil reside tanto na preocupação dos estudos acerca da História do país, quanto com uma preocupação com a nação e o presente, que é mais sinalizado em História da História do Brasil e para resolver isso, era necessário a criação de uma consciência histórica, que deveria ter início com o trabalho de quem estuda para isso: “não seria possível resolver o problema com a simples licenciatura em História. (...) A melhor solução é o estágio obrigatório de estudantes de história nas bibliotecas e arquivos. (RODRIGUES, 1978b, p. 242 e 243)
Desde as críticas a como a historiografia era feita no Brasil, dando ênfase a História Colonial (1978b) e ao compilamento simples de fontes, José Honório já deixava claro sua percepção de como é formada a consciência histórica, onde aponta que toda realidade, da forma como existe, produz uma diferente consciência de realidade, e que, portanto, deve-se voltar ao passado com novos problemas impostos pelo presente. Sendo assim, compreendia a historiografia brasileira, sendo um espelho da própria História, vejamos:

Há, assim, uma estreita conexão entre a historiografia de um período e as predileções e características de uma sociedade. O nexo é econômico e ideológico. A atividade erudita não é um luxo; depende do apoio com que a sociedade a nutre. (RODRIGUES, 1978b, p. 32)

 A demonstração ao longo da escrita de José Honório acerca do atraso do Brasil em relação a outros países, e os incessantes incentivos e pesquisas que caminham na direção de demonstrar qual é o caminho necessário fazer por meio da pesquisa histórica apontam para toda uma revisão da historiografia brasileira, com o intuito de formar uma consciência histórica nacional, que seja a partir daquele momento, moderna.
É ainda interessante lembrar que, José Honório defende que a pesquisa supõe a utilização dos recursos e técnicas das ciências sociais, bem como entrevistas, inquéritos, técnicas quantitativas, busca de dados familiares e individuais que sirvam para a colheita e interpretação.

Do ponto de vista universal, a produção histórica apresenta grande variedade, e assim como o poder mundial é transitório, assim também é transitória a produção histórica. Nos países mais modestos na sua força econômica, insuficientes na educação, com uma minoria dominante alienada, não só é insignificante a produção dos fatos e atos, como realmente não produzem história, mas crônica. (RODRIGUES, 1978a, p. 32)

Se declararmos que a tarefa do historiador tem início com o gesto de reunir, selecionar e transformar os rastros do passado em fontes documentais, não é então, difícil reconhecer a importância da edição crítica de documentos no campo diverso de tarefas que compõem a operação historiográfica, no entanto, na década de 40, no Brasil, esse não era um tema de debate, mas José Honório já se debruçava sobre a questão.
Atualmente, a necessidade de transcender a produção de catálogos de autores e obras ou de inventários bibliográficos que, tradicionalmente, se confundiram com os estudos da historiografia, tornou-se de extrema importância para a definição dos seus objetos, a caracterização de problemas e de pautas específicas de investigação como sendo parte de um processo constituinte do saber histórico
Jose Honório não estava à frente de seu tempo, ao pensar em questões como a proposição de uma consciência histórica por meio de um projeto modernizador, estava ao contrário, atento e em constante diálogo com a historiografia mundial, percebendo assim, a necessidade de uma mudança na forma de se fazer História no país, por isso, e muito mais, um historiador, que é tão esquecido no meio acadêmico, merece maior atenção.


Referências

Biografia: Mestranda em História na Universidade Federal de Goiás (UFG). Especialista em História e Narrativas Audiovisuais pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). E-mail: krisley6@hotmail.com

FREIXO, André de Lemos. Ousadia e redenção: o Instituto de Pesquisa Histórica de José Honório Rodrigues. História da Historiografia, p. 140-161, 2013.

GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Historiografia e cultura histórica: notas para um debate. Ágora: revista de história e geografia, Santa Cruz do Sul, vol.1, n.1, março 1995

IGLÉSIAS, Francisco. José Honório Rodrigues e a historiografia brasileira. Revista Estudos Históricos, v. 1, n. 1, p. 55-78, 1988.

OLIVEIRA, M. Gloria de. A história da historiografia brasileira e suas evidências. História da Historiografia, n. 10, p. 274-278, 2012

PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. Gilberto Freyre: um vitoriano dos trópicos. SciELO-Editora UNESP, 2005

RODRIGUES, José Honório. A pesquisa histórica no Brasil. Companhia Editora Nacional, 1978a.

___________, José Honório. Teoria da história do Brasil: introdução metodológica – 5.ed. lógica. 4. ed. atualizada. São Paulo, Editora Nacional, 1978b.


________, José Honório. Uma viagem de pesquisas históricas. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, 134-135: 14-29, jul.-set, 1945

3 comentários:

  1. Parabéns Krisley pelo trabalho. Confesso que não tive oportunidade de estudar José Honório Rodrigues na Universidade. Pelo seu texto, compreendi a produção e as ideias desenvolvidas pelo mesmo, sendo clara a contribuição dele para a Historiografia. Por isso, minha pergunta é por que você acha que os historiadores brasileiros são tão renegados em relação aos historiadores estrangeiros, será que não produzimos saberes capazes de se equiparar aos dos ingleses e franceses que dominam o cenário historiográfico? Garanto que irei procurar os livros citados para me familiarizar com o historiador José Honório Rodrigues. Agradeço desde já.
    Márjorie Maria Carneiro Pires- Graduanda em História pela UFPE

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  2. Olá Márjorie, fico grata por sua colocação.
    Em um breve estudo que fiz tentando traçar a recepção da obra de José Honório na academia, me deparei com estudos desde a década de 70 até hoje, no entanto, estudos que tendam a tratar da história intelectual e conceitual dele, são poucos, iniciam-se em meados de 2000, sob a minha análise, isso se dá pelo fato da própria historiografia, e a preocupação com com os estudos acerca do ofício do historiador serem "recentes" no Brasil, sendo assim, essa mudança de perspectiva, de, ao estudar o que José Honório produziu, para pesquisar como ele produziu, segue o curso de como interpretamos a História, o que me faz ver, a urgência, por exemplo, de pesquisarmos, como você pontuou, a produção feita por brasileiros nesse sentido. É claro que as contribuições nos ajudam e nos formam, em determinados aspectos, mas temos inúmeros pensadores daqui, que podem nos surpreender e render boa discussões acerca do tema.

    Espero ter conseguido responder de alguma forma, mais uma vez, grata.

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    1. Respondeu sim! Eu que agradeço e a parabenizo novamente pelo trabalho, não é fácil tratar de historiografia. Concordo com sua explanação e espero que consigamos um cenário mais propício aos autores nacionais, que como você bem falou, podem contribuir de forma significativa para nossa formação. Obrigada!
      Márjorie Maria Carneiro Pires -Graduanda em História pela UFPE

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