HISTÓRIA, GÊNERO E SEXUALIDADE:
ALGUMAS REFLEXÕES PARA UMA EDUCAÇÃO SEXUAL MULTIDICIPLINAR.
Arthur Jonatha Souza de Nascimento *
Resumo:
Na
escola as relações socioculturais e as relações de gênero são marcadas por
discursos sobre a sexualidade e gênero que podem e produzem desigualdades e
submissões. A partir dessa perspectiva o objetivo deste trabalho é promover
algumas reflexões críticas sobre a Educação Sexual na prática pedagógica e sua
importância no combate ao preconceito e estereótipos de gênero, assim como na
conscientização acerca de gênero e sexualidade. O trabalho foi realizado
através de uma pesquisa bibliográfica utilizando conceitos de autores como
Michel Foucault. Procurou-se demonstrar também algumas das dificuldades
enfrentadas para a efetivação de políticas públicas voltadas para a Educação
Sexual.
Palavras-chaves:
Educação.
Educação Sexual. Sexualidade.
O debate acerca da temática não é recente,
durante o século XX a Educação Sexual de jovens e adultos já era foco de
professores e médicos. Desde a década de 80 o assunto vem ganhando mais espaço
na atualidade, problemas como a gravidez na adolescência e a transmissão de
DSTs vêm alertando autoridades e pais sobre a relevância da educação sexual escolar
como instrumento de prevenção.
O
tema da pesquisa bibliográfica foi selecionado devido à emergência do debate
sobre temas como gênero, sexualidade e orientação sexual, estas temáticas ainda
são consideradas tabus, principalmente no ambiente escolar, diante desta
realidade, o estudo visa descrever a importância da Educação Sexual e auxiliar
para que a sexualidade possa ser desenvolvida com respeito, respeitando as
diferencias de gêneros e orientação sexual, visando à tolerância e o respeito
entre os membros do ambiente escolar.
O
Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual (GTPOS) define educação sexual
como qualquer meio pelo qual aprendemos sobre a sexualidade ao longo da vida,
seja pela família, da religião, a comunidade, através dos livros ou da mídia.
Essa educação é contínua podendo ser intencional ou não.
Questões
referentes à educação sexual abrangem aspectos emocionais, históricos,
socioculturais, entre outros, nesse sentido, pra tratar da educação sexual é
necessário utilizar mais que a abordagem da biologia.
A
escola é o ambiente onde jovem e crianças ficam a maior parte do tempo durante
o desenvolvimento do seu aprendizado e enquanto espaço social que reúne
diariamente crianças e adolescentes se torna um ambiente favorável ao
desenvolvimento de atividades no âmbito da sexualidade e tem importante papel
para a sexualidade, saúde e cidadania. A escola exerce um importante papel na sexualidade
durante a infância e adolescência “se relacionarmos o processo de escolarização
à disciplinarização dos corpos de crianças e jovens, veremos que a educação do
sexo encontrou seu lugar privilegiado na escola desde muito cedo.” (CÉSAR,
2009).
Segundo Ribeiro
(2011), a Educação Sexual no ambiente escolar necessita ocorrer no campo
pedagógico, não tendo, assim, um caráter terapêutico.
Para Jardim e
Bretas (2005) a Educação Sexual é majoritariamente um domínio da família, pois
é peça chave na formação da identidade de gênero e na prática dos papéis
sexuais de seus filhos. É indiscutível a importância da família neste debate,
porém é necessário que a escola se mantenha aberta para a discussão,
independentemente da participação de ambos, a sexualidade está abertamente
sendo debatida através dos meios de comunicação, como internet e televisão.
Dificuldades para a criação de políticas públicas para
educação sexual.
César (2009)
alerta que durante a ditadura de 1964 o regime impôs um controle e moralização
dos costumes, especificamente devido à união entre os militares e o grande
grupo conservador da igreja católica, a Educação Sexual foi banida e taxada
como “imoral” e considerada inapropriada para o ambiente escolar, tal
pensamento ainda é presente, em 2004 o governo federal lançou o projeto Brasil Sem Homofobia, um parte deste projeto
tratava sobre a formação de educadores para questões de gênero e sexualidade, vejamos
alguns pontos:
Elaborar
diretrizes que orientem os Sistemas de Ensino na elaboração de ações que
comprovem o respeito ao cidadão e a não-discriminação por Orientação Sexual.
Fomentar e apoiar
curso de formação inicial e continuada de professores na área da sexualidade.
Estimular a
produção de materiais educativos (filmes, vídeos e publicações) sobre
orientação sexual e superação da homofobia.
(BRASIL, 2004)
A preocupação com
questões de gênero, sexualidade e orientação escolar na escola causou a reação
da chamada Bancada Evangélica do
congresso nacional que promoveu um verdadeiro ataque ao projeto fazendo que
fosse abandonado pelo governo federal, tal acontecimento demonstra a
dificuldade para implantação de políticas públicas para a Educação Sexual. Para
Zarbato (2015) atualmente, a abordagem do assunto gênero é um dos grandes
desafios do ensino de história, devido aos encadeamentos das legislações, assim
como as influências sociais e culturais.
História, Gênero e Sexualidade
Como demonstra Foucault, a sexualidade é constituída
historicamente através de discursos que produzem regras e normas, vejamos:
A sexualidade é o nome que se pode dar a um
dispositivo histórico: não à realidade subterrânea que se aprende com dificuldade,
mas à grande rede de superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação
dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço
dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas
grandes estratégias de saber e poder (FOUCAULT, 1984).
Louro (2007)
afirma que grande parte dos pesquisadores e interessados no assunto concordam
que a sexualidade supõe ou implica mais do que corpos, que nela estão
envolvidos valores, linguagens e comportamentos. A sexualidade é inerente e faz
parte da condição humana e a escola deve tratá-la como tal.
É
importante ressaltar que ao falarmos de sexualidade, também estamos falando de
orientação sexual, tal assunto muitas vezes é alvo de colocações equivocadas, o
discurso da escola deve ser livre de preconceitos para que não ocorra nenhum
tipo de discriminação.
Sobre
Gênero, Joan Scott (1995, p.71) justifica suas ideias nas concepções a seguir:
As relações de gênero são marcadas por
desigualdades, hierarquias e obediências, sendo relações de poder. Elas possuem uma dinâmica própria, se
articulando através de outras formas de dominação e desigualdades sociais, como
raça, etnia, classe, etc. Sendo legitimada socialmente, se constitui em
construções. Essa perspectiva permite
entender as relações sociais entre homens e mulheres, o que pressupõe
modificações e conservações, desconstruções e reconstrução de elementos
simbólicos, imagens, práticas, comportamentos, normas, valores e
representações.
Conforme
Louro (1997) os conceitos de gênero divergem não meramente entre as sociedades ou
os contextos históricos, mas também no interno de uma dada sociedade, ao se
considerar os diversos grupos (étnicos, religiosos, raciais, de classe) que a constituem.
A
abordagem do tema gênero no ambiente escolar visa à desconstrução de ideias
sexistas, que são adquiridas através de inúmeras aprendizagens e práticas e que
são reproduzidas pelos alunos. Segundo César (2009) trabalhar as relações de
gênero consiste em somente expressar que meninos podem ser também meigos e
sensíveis sem que isso seja capaz de “machucar” sua masculinidade, e que
meninas podem ser agressivas e objetivas, além de gostarem de futebol, sem que esses
atributos diminuam sua feminilidade. A educação sexual deve buscar demonstrar e
combater estereótipo de gênero que permeiam a existência das mulheres e dos
homens.
Na
história a questão do gênero pode ser abordada buscando dialogar sobre as lutas
das mulheres e sua história, como afirma Costa (2003, p. 165):
Os estudos das mulheres, a
história social e a dos
feminismos, aproximados, serão, agora, os lugares
principais de assentamento do conceito de gênero.
Agrupadas sob diferentes interesses intelectuais,
pesquisadoras, feministas ou não, portam inquietações e
tradições intelectuais e, se com elas se ingressa nos
debates sobre o conceito de gênero, experimentam-se
profundas mudanças paradigmáticas na história social e
pessoal.
feminismos, aproximados, serão, agora, os lugares
principais de assentamento do conceito de gênero.
Agrupadas sob diferentes interesses intelectuais,
pesquisadoras, feministas ou não, portam inquietações e
tradições intelectuais e, se com elas se ingressa nos
debates sobre o conceito de gênero, experimentam-se
profundas mudanças paradigmáticas na história social e
pessoal.
Considerações Finais
A
escola deve discutir os vários temas e ações da sociedade atual, relacionados a
gênero, sexualidade e orientação sexual sempre buscando a reflexão para que
assim ocorra uma educação sexual realmente emancipadora e tenhamos jovens com menos
preconceitos nas relações sociais e mais informações sobre o corpo e a sexualidade.
Deve-se compreender a sala como um espaço para que, por meio de dinâmicas,
possamos problematizar temáticas, elevar questionamentos e expandir a visão de
mundo e de conhecimento. Finalizando, para Britzman (1999) professores
necessitam produzir a capacidade de desestabilizar o conhecimento em nome da
liberdade. A Sexualidade e a Educação Sexual se referem a práticas de liberdade
e todos os esforços a favor desse debate é preciso.
Referências
Graduando do Curso
de História na Faculdade Integrada Brasil Amazônia - FIBRA. Integrou a equipe
de iniciação científica do Departamento de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão
da mesma faculdade. Atualmente é professor do ensino fundamental e médio na
rede privada de ensino em Belém-PA.
BRASIL.
Conselho Nacional de Combate à Discriminação.
Brasil Sem Homofobia: Programa de combate
à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
BRITZMAN,
Deborah. Curiosidade, sexualidade e
currículo. In: LOURO,
G.L (Org). O corpo educado. Pedagogias da Sexualidade. Belo
Horizonte: Autentica 1999.
CÉSAR,
Maria. Gênero e sexualidade e educação:
Notas para uma “Epistemologia”. Educar em Revista [online]. Vol.35,
Curitiba. 2009.
COSTA, J.F. A ética e o espelho da cultura.
RJ: Rocco, 1994.
FOUCALT,
M. História da sexualidade: a vontade de
saber. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1997. V.1.
JARDIM,
Dulcilene Pereira; BRETAS, José Roberto da Silva. Orientação sexual na escola: a concepção dos professores de Jandira -
SP. Revista Brasileira de Enfermagem. 2006, vol.59, n.2, pp.157-162.
LOURO,
Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e
educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. 6. Ed. Rio de Janeiro: Vozes,
1997.
______Gênero e sexualidade: pedagogias
contemporâneas. Pro-Posições [online]. 2008, vol.19, n.2, pp.17-23.
RIBEIRO,
Marcos. Educação Sexual e Metodologia.
2011. Disponível em: <http://www.adolescencia.org.br/upl/ckfinder/files/pdf/Educa%C3%A7%C3%A3o%20Sexual_Marcos%20Ribeiro.pdf>.
Acesso em: 30 jul. 2017.
SCOTT,
Joan. Gênero: uma categoria útil para a
análise histórica. Educação e
Realidade, Porto Alegre, v.20, n.2, p.71-99, 1995.
ZARBATO,
Jaqueline Aparecida Martins. As
estratégias do uso do Gênero no ensino de História: narrativa histórica e
formação de professoras. Revista
Trilhas da História. Três Lagoas, v.4, nº8 jan-jun, 2015.p.49-65
Olá, bom dia. Primeiramente gostaria de parabenizar sua comunicação pela escolha de um tema que anda tão em voga e que é ao mesmo tempo necessário e espinhoso. Gostaria de saber como o senhor, mediante suas pesquisas sobre o tema e sua experiência em sala de aula faz para abordar esse tema, lidando com as questões religiosas que cada aluno carrega em si devido as concepções religiosas familiares de cada um. Desde já, obrigada.
ResponderExcluirOlá, muito obrigado!
ExcluirA abordagem sobre gênero em uma aula de história costuma não causar grandes choques com as concepções religiosas dos alunos, temáticas como Mulheres na Idade Média ou Mulheres na Revolução Americana costuma gerar grande interesse por parte dos alunos e alunas, as maiores dificuldades são com aulas de Educação Sexual e Sobre Diversidade Sexual e quando isso ocorre, a melhor forma de lidar é dialogando, buscando respeitar essas concepções mas sem se omitir.
Obrigada,professor.
ExcluirMuito bom! Parabéns pelo tema
ResponderExcluirMuito obrigado!
ExcluirOlá Arthur!
ResponderExcluirObrigada por contribuir para o tema. Essa questão está tão atual que se debate nas ruas, nos bares e em casa. Vejo por sua biografia que o senhor também é professor. Como é sua própria experiencia com essa abordagem em sala de aula? Particularmente, tenho tido muito boa aceitação dos alunos, porém muita resistência dos pais, principalmente dos evangélicos pentecostais. Como o senhor lida com esse conflito entre o interesse dos alunos vs. os pais na sua didática?
Abraços!
Olá Flávia!
ExcluirDurante as aulas de história quando gênero é abordado, costuma ser uma experiência muito boa, existindo real interesse por parte dos alunos. Como eu disse no comentário acima, as questões que mais geram conflitos são sobre Educação Sexual e principalmente sobre Diversidade Sexual, justamente pelo motivo religioso, a melhor forma de lidar é dialogando com os pais, buscando esclarecer que não se trata de um ataque contra a religião, buscar apoio da instituição também é importante.
Olá Arthur,
ResponderExcluirMeu nome É Natanael Silva, Mestre em História pelo PPHR/UFRRJ e também atuo como professor no Enino Médio. Parabéns pelo Tema, pois tal pesquisa se mostra articulada com questões e debates prementes na atualidade. Sendo assim,gostaria de saber como vc entende e pretende abordar de maneira multidisciplinar no âmbito escolar esse tema? Quais os desafios que vc costuma encontrar junto a outros colegas de profissão?
Abraços,
Natanael Silva.
Mestre em História PPHR/UFRRJ
Super pertinente a colocação do tema como a abordagem. Ainda mais no momento político e educacional, onde é difícil passar a informação sem está ser distorcida ou mal interpretada!
ResponderExcluirParabéns
Abraço
Marília Guaragni de Almeida - Universidade de Santa Cruz - UNISC
Agradeço!
ExcluirAbraço
Olá Arthur, inicialmente quero te parabenizar pela iniciativa de discutir a partir da temática de gênero e sexualidade. Ao ler seu texto, me surgiu - bem no final da leitura - a falta da perspectiva multidisciplinar que você elenca logo no título de seu trabalho e faz algumas menções no corpo do texto. Com isso, minha intervenção é: de que maneira podemos abordar discussões em torno do tema 'gênero e sexualidade' no ensino de História, fazendo uso de mecanismos multidisciplinares?
ResponderExcluirMaria Larisse Elias da Silva
Universidade Federal de Campina Grande UFCG/CFP - Licencianda em História
Olá, Arthur! Parabenizo-lhe pela temática e todas as discussões que são recorrentes da mesma.
ResponderExcluirSou aluna de ensino médio e essas questões são abordadas no dia a dia, principalmente, porque no âmbito escolar é imprescindível dizer que se convive com pessoas diferentes, não só em sua orientação sexual ou coisas relacionadas, mas em coisas mais simples como o modo de falar até as divergências de opiniões. Porém, por mais que sejam abordadas, é importante ressaltar que essas discussões são visíveis apenas em algumas (poucas) matérias, não sendo possível a visibilidade desse tema em âmbito multidisciplinar.
Portanto, como é possível analisar essa temática em uma visão mais ampla, ou ainda, multidisciplinar?
Agradeço desde já pela resposta.
Beatriz da Silva Mello
Instituto Hilda Ferreira - Manaus/AM
Um ótimo trabalho e também excelentes contribuições. Mas, como abordar essa temática em uma época onde o que nós ensinamos passa a ser passível de controle?
ResponderExcluirCleberson Vieira de Araújo - Doutorando em Educação (UTIC)
A escola é lugar para discussões construtivas , e discutir gênero e sexualidade é algo de extrema importância. Compreender as questões da sexualidade e gênero, é coisa séria . Os estudantes precisam de orientação, e a escola é um ambiente onde jovens e crianças ficam a maior parte do tempo e os mesmos precisam de instruções sofre questões sexuais.
ResponderExcluirPrimeiramente gostaria de parabenizar o autor e os organizadores do simpósio pela escolha excelente, um assunto realmente importante e essencial para prática pedagógica atual, que mesmo tido como um tabu pelo senso comum de grande parte das pessoas, que relacionam sexualidade ao ato sexual em si, mas que deve ser discutido sim, tanto na escola, quanto em qualquer outro ambiente de formação/construção de seres humanos e cidadãos, a orientação e discussão sobre sexualidade e questões de gênero é uma ferramenta para construção de seres humanos tolerantes e respeitosos.
ResponderExcluirO tema abordado é de fato super interessante,pois é a partir da escola que o sujeito passa a se construir socialmente já que é onde passar logos anos de sua vida naquele ambiente com varias diferenças. E a partir de uma discussão de educação sexual que pode ser a solução para vários problemas,como o inicio da sexualidade de forma precoce, a gravidez indesejada,DST´S,e a violência sexual a cada dia somos surpreendidos por noticias sobre estrupo na escola geralmente contra o sexo feminino.
ResponderExcluirCLARA FERNANDA CUNHA SOUTO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
Agradeço os comentários! Sem dúvida a educação sexual é, também, um instrumento de prevenção.
ExcluirConcordo com Ribeiro (2011), quando diz que a Educação Sexual no ambiente escolar necessita ocorrer no campo pedagógico e com Jardim e Bretas (2005) no que se refere ao papel da família na formação da identidade de gênero de seus filhos. Pais e escolas devem, principalmente, educar as crianças e jovens para entender e respeitar as diferenças. Com as rotinas diárias, pais e filhos conversam cada vez menos e é crescente o caso de jovens que se espelham em personagens de seu programa de TV favorito. Fator preocupante, tendo em vista os múltiplos programas de TV que estigmatizam, rotulam e tratam o ser humano com preconceito.
ResponderExcluirEliana Gomes Ferreira
Mestranda em Educação pelo ITEH