CLASSE, RAÇA E GÊNERO: QUESTIONAMENTOS SOBRE A INSERÇÃO
DAS MULHERES NA INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA NO INICIO DO SECULO XX
Hudson Louback Coutinho da Silva
Resumo: Neste trabalho
buscamos avaliar como se deu a inserção das mulheres na industrialização
brasileira, levando em consideração a questão de gênero, raça e classe que
permeia a sociedade patriarcal do final do século XIX e inicio do XX. Pensando
como se dava essa relação entre trabalhadoras e patrão.
Palavras-chave: Industrialização,
Mulheres, Trabalho.
Em todo o período
que o Brasil foi colônia de Portugal, a metrópole estabeleceu regras que
limitava o desenvolvimento industrial de sua colônia, a fim de melhor controlar
sua economia. Assim, o Brasil se via preso economicamente sob amarras
administrativas, sem poder desenvolver-se livremente no que tange a
industrialização. Somente no final do século XIX,
podemos observar uma ruptura, onde alguns cafeicultores começam a investir em indústrias.
Com isso, precisa-se de mão de obra para trabalhar nestes espaços. Muito se
fala dos imigrantes alemãs e italianas, como a principal mão de obra nessas atividades.
Mas pouco se fala sobre os ex-escravizados e principalmente sobre as mulheres
nessas ambientes de trabalho, sendo isso tema crescente em pesquisas cujo viés
interpretativo é outro.
Quando falamos
sobre História do trabalho no Brasil, não podemos esquecer que o país viveu
anos de escravidão e isso refletiu nos anos posteriores a abolição. Essa que
não pensou em como engajar esses homens e mulheres que haviam sofrido a
experiência da escravidão na sociedade em que se encontravam. Assim pouco interessou
ao governo a incursão desses ex-cativos no mercado de trabalho. Muito menos em
como eles seriam vistos após esse longo período de escravidão, sendo ou não
encarados como parte integrante da sociedade.
Carolina Vianna
Dantas em seu artigo “O Brasil café com leite. Debates intelectuais sobre
mestiçagem e preconceito de cor na primeira república”, nos mostra a preocupação
dos intelectuais no início do século XX com a formação de uma unidade nacional
perante a questão racial. Como a própria autora destaca “era preciso pensar na incorporação
dos ex-escravos seus descendentes à vida nacional e à própria identidade da
nação” (DANTAS, 2008, p 58). Assim podemos pensar que o propósito desses
intelectuais seria resolver (teoricamente) os problemas do fim da escravidão,
para a partir desse momento mostrar que o Brasil era um país supostamente
aberto a todas as diferenças.
Na era Vargas, observamos
uma intensificação do incentivo aos donos de pequenas indústrias a aumentaram
seus negócios. O próprio governo fazia questão desse aumento de capital
interno, para alavancar os negócios nacionais, para não mais ficar dependente
do mercado internacional. Assim como um reflexo desses primeiros anos de
industrialização no Brasil, vemos além desse aumento de capital, e passamos a
pensar na mão de obra que fazia com que fosse possível esse real aumento, para
além do dono da empresa. Pensando assim quem eram esses trabalhadores no final
do século XIX e início do século XX.
Como vestígios do período colonial, a mulher
no final do século XIX estava condicionada a um sistema patriarcal, no qual
suas principais atividades estavam relacionadas aos afazeres domésticos. Por
muito tempo acreditou-se que este era o único papel da mulher na sociedade
(PRIORE, 1993). Porém, com o aumento do
número de estudos sobre a História das mulheres, questiona-se que mulher era
essa, uma vez que em muitos casos era a própria mulher que sustentava sua
família. Como no caso das viúvas, ou até mesmo mães solteiras. Utilizando o
livro da historiadora Maria Joana Pedro, Mulheres
honestas e mulheres faladas: uma questão de classe, observamos uma nova (não tão nova)
personagem nessa história da mulher, as afro-brasileiras, que tinham que
trabalhar para sustentar suas famílias.
No pós-abolição, vemos que muitas mulheres negras
continuaram a prestar serviços domésticos, como passadeiras, lavadeiras,
engomadeiras, cozinheiras e até mesmo quitandeiras, como forma de
sobrevivência. Assim podemos observar que utilizando a questão de classe e de
raça, a mulher negra desde sempre teve que trabalhar, cativa ou não, para
conseguir sua sobrevivência. E obviamente isso chocava a sociedade, que
esperava da figura feminina a imagem de “Bela, recatada e do lar”. E era
exatamente a questão de classe que determinava a divisão entre as mulheres
honestas, das mulheres faladas, como o próprio título do livro nos diz. E isso
irá refletir na inserção dessas mulheres no mercado do trabalho no inicio do
século XX.
Baseando-nos no livro Mulheres, raça e classe de Angela Davis,
podemos pensar o fator de gênero, raça e classe, para imaginarmos essas
mulheres como trabalhadoras em uma sociedade completamente machista, onde viam
essas trabalhadoras como não dignas de respeito, pois “mulheres de respeito”
estavam em casa cuidando de suas famílias. No inicio do século as mulheres de
modo geral buscavam mais direitos e liberdade (não que antes não houve essa
busca). E não apenas mulheres negras tinham que lutar pelo seu sustento, mas
mulheres brancas pobres também precisavam garantir sua existência. Colocamos
assim o senhor, não mais de engenho, mas um dono de indústria que visava o
lucro e do outro lado, uma mulher, pobre sendo negra ou não. Que relações
poderiam existir entre ambos?
Se pensarmos em como a mulher era encarada nos
períodos anteriores, desde o período colonial, podemos fazer um comparativo. A
mulher, principalmente a negra no período colonial, era vista como estando
sempre disponível para servir. Logo essa
mulher não teria honra perante a sociedade. E mesmo muitos anos se passando, no
início da industrialização, essas mulheres muitas vezes eram mal vistas, não
conseguindo obter os mesmos direitos dos homens. Com base no livro de Davis, podemos
refletir sobre como a questão de raça influenciava as mulheres negras, pois
tinham que lutar contra o preconceito por ser mulher, pobre e ainda por ser
negra.
Durante o governo de Getúlio Vargas vemos que
melhorias trabalhistas foram implementadas, devido a muita resistência e luta
dos trabalhadores, porém a imagem da mulher nesses ambientes de trabalho
continuava a ser vista com maus olhos. Por causa do capitalismo, o objetivo
principal era mão-de-obra barata e aumento do número de produção. Assim principalmente
a indústria têxtil vê como lucro a contratação de mulheres para o serviço, pelo fator do pagamento do salário para mulheres
serem baixos. Logo visavam o lucro para tal feito.
Mesmo recebendo baixos salários, ainda tinham de
lidar com abusos vindos de seus superiores. Como podemos perceber no texto de
Gladys Sabina Ribeiro, Cidadania e luta
por direitos na Primeira República: analisando processos da Justiça Federal e
do Supremo Tribunal Federal
Em uma “ação e justificação para manutenção”,
datada de 1902, as autoras, mulheres, exerciam a profissão de caixeiras
comerciais de cafés e de bebidas. Deixavam bem claro ser essa uma profissão de
toda honestidade e moralidade, “evitando a vida de prostituição”. Alegavam ser
vítimas de exploração por agentes de autoridades públicas e estar sob ameaça da
Polícia, assim como seus patrões. Requeriam na Justiça serem mantidas no pleno
exercício de sua profissão e afirmavam serem vítimas de atentado aos seus
direitos. (RIBEIRO, 2008, p. 116)
Notamos que mesmo buscando viver uma vida digna,
evitando o que seria perante a sociedade
uma vida imoral, e buscando no trabalho formal uma forma de obterem sustendo,
as mulheres no processo citado, sofriam de exploração por parte da sociedade. Mostrando
assim as dificuldades em ser mulher e pobre em uma sociedade patriarcal.
Atrelado a isso, devemos refletir como a
industrialização trouxe mudanças na organização da cidade e como esta
influenciou a organização da sociedade capitalista. E como ajudou a reforçar
uma sociedade cada vez mais marcada com eixos fundamentais em classe, raça e
gênero, diferente do que buscavam alguns intelectuais no texto de Dantas. Vemos
que a industrialização reforçou uma segregação de classe, pois cada vez mais se impôs uma marginalização por parte de quem não estava
empregado ou por quem estava lutando por seus direitos.
Referências
Graduando do Curso de Bacharelado e
Licenciatura em História da Universidade Federal de Santa Catarina. Atuou junto
ao MArquE (Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral)
enquanto bolsista, desenvolvendo atividades junto ao setor pedagógico. Tem como
áreas de interesse História do Brasil e História da Diáspora Africana, com
ênfase no Sul do Brasil. Foi bolsista do programa de Iniciação Científica do
CNPq e atualmente esta em intercâmbio na Universidade de Coimbra.
DANTAS, Carolina Vianna. O
Brasil café com leite. Debates intelectuais sobre mestiçagem e preconceito
de cor na primeira república. 2008
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016
PEDRO, Joana Maria. Mulheres honestas e mulheres faladas: uma
questão de classe. 2. ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1998.
PRIORE, Mary Del. Historia das Mulheres no Brasil, Ed. Contexto, 1990.
________________. Ao sul do Corpo: Condição feminina, maternidades e mentalidades no
Brasil colônia. Rio de Janeiro: Ed. Olympio, RJ, 1993.
RIBEIRO, Gladys
Sabina. Cidadania e luta
por direitos na Primeira República: analisando processos da Justiça Federal
e do Supremo Tribunal Federal. 2008
Segundo a análise do autor a sociedade da época da primeira república esperava uma postura de recatamento da mulher dentro dos convívios sociais. Como o autor analisa esse grupo social que reivindicava da mulher ser "Bela, Recatada e do Lar", num ambiente em que desde os primórdios do regime escravocrata a mulher negra sempre foi fundamental no mundo do trabalho?
ResponderExcluirDavid Richard Martins Motta: Licenciado em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Pós-graduando do curso de especialização em Ensino de Jovens e Adultos pelo IFRJ - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia. e-mail: mottacell@yahoo.com.br
Olá Ricardo
ExcluirEssa sua pergunta é exatamente a problemática do texto. Mulheres negras escravizadas ou nao, precisavam trabalhar para seu sustento e para manter suas famílias, no caso das viúvas ou mães solteiras. Eram quitandeiras, cozinheiras, lavadeiras, engomadeiras, entre outras profissões. Logo a sociedade elitizada e patriarcal, as viam como "Mulheres faladas", como destaca a historiadora Joana Maria Pedro. Assim existia uma cobrança de postura dependendo da classe e da raça, em relação as mulheres nessa sociedade.
Olá Hudson!
ResponderExcluirObrigada por contribuir com seu trabalho para esse simpósio. Como você enxerga as duas grandes guerras e a remuneração da mão-de-obra feminina como parte fundamental para entender a introdução das mulheres na indústria?
Abraços!
Olá Flavia, Obrigado por sua pergunta.
ExcluirO fato de a sociedade patriarcal expor que as mulheres nao possuíam conhecimento técnico, as colocou como parte integrante do trabalho manual e ate mesmo braçal. O que possibilitava o baixo salario nas industrias. Sobre a questão das Guerras, nao foi meu objetivo aborda-los, mas interessante observar que a demanda nas industrias devido as guerras, aumentou a mão de obra, logo as mulheres, principalmente na industria têxtil, foram fundamentais.
O tripé classe, raça e gênero está presente na constituição social do Brasil. As leituras e perspectivas históricas no Brasil empolgam a elite e omitem os demais segmentos sociais. Interessante o trabalho pois ele apresenta as discussões sobre a industrialização no século XIX e como as mulheres e os ex-escravos foram protagonizaram esse período no Brasil.
ResponderExcluirJulio Junior Moresco - UFMT
Exato! Obrigado por seu comentário!
ExcluirOlá Hudson,
ResponderExcluirAtualmente, um dos desafios nos estudos de gênero é pensar de modo articulado essas três categorias (gênero, raça e classe),sendo assim, teorica e metodologicamente, como você trabalha a interseccionalidade sem deixar que uma ou outra posição social dessas agentes históricas nas relações de poder empreendidas por elas? É possível localizar nas fontes em que medida as mulheres que entravam no mundo do trabalho industrial negociavam com esses marcadores de diferença(raça, classe, gênero) junto aos homens trabalhadores e também aos patrões?
abraços,
Natanael Silva
Mestre em História PPHR/UFRRJ
natanaelfreitass@gmail.com
Olá Natanael
ExcluirO livro de Angela Davis " Mulheres, raça e classe" foi a base para o meu trabalho. O que me possibilitou essa interseccionalidade, para pensarmos nessas mulheres no período abordado. Contudo ao avaliar a trajetória dessas mulheres, achei importante trabalhar com esses três pilares que formam a sociedade (classe, raça e genero) para pensar em que mulheres queremos trabalhar, pois nao podemos classifica-las apenas com a questão de gênero. Com relação a sua segunda pergunta, estou buscando fontes para responde-la, na sequencia da pesquisa.
Olá, Hudson
ResponderExcluirVocê acha possível essas questões para a sala de aula? Usando os recortes que você citou como exemplo, como a Era Varas. Pois os pontos apresentados nunca constam nos livros didáticos, então como apresentar isso na escola sem soar como apenas curiosidade para o aluno?
Brenda Hanna Chagas Peso
Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Ola Brenda.
ExcluirAcredito que é possível e necessário abordarmos essas questões em sala de aula. Pois exatamente por nao ter nos livros didáticos se torna importante abordarmos essas temáticas, nao como curiosidades, mas como fatos necessários para entendermos o papel dos indivíduos que por muito tempo foram silenciados pela historia. Devemos assim apresenta-la como parte integrante de um processo histórico e nao como sendo um fator isolado.
As mulheres sempre lutaram para ter direitos iguais .Nas últimas décadas do século XX, presenciamos um dos fatos mais marcantes na sociedade brasileira, que foi a inserção, cada vez mais crescente, da mulher no campo do trabalho, fato este explicado pela combinação de fatores econômicos, culturais e sociais.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirExatamente Isabella! Obrigado pelo comentário!
ExcluirÓtimo simpósio, muito bem escrito, a papel da mulher mudou muito do século XX pra cá, em todos os ambitos, conquistamos "alguns" direitos, "alguns" espaços e um "alguma" visibilidade, mas ainda é pouco, vivemos em luta constante para garantir essas conquistas, e conseguir ainda mais, pois, infelizmente, ainda vivemos em um sociedade patriarcal, onde as lutas são diárias.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirObrigado pelo comentário Miyih Buarque!
ExcluirGostaria de parabenizar o autor, pelo texto principalmente na forma da escrita e no modo de abordagem do tema. Pensar na condição da mulher como sujeito histórico que está inserido nesse processo de industrialização século XIX e inicio do XX da forma como foi abordado, garante grandes contribuições para esse campo de estudo.
ResponderExcluirAbraços históricos!
Olá Allana, obrigado pelo seu comentário!
ResponderExcluirBoa noite Hudson,
ResponderExcluirGostaria de parabeniza-lo pelo trabalho e pelas reflexões. Pensar a história das mulheres sob este tripé é extremamente enriquecedor. Parabéns!
Obrigado Luiz!
ExcluirBoa tarde,
ResponderExcluirAchei o texto muito interessante. Durante a leitura verifiquei que, se atualizarmos algumas palavras, podemos aplicá-lo facilmente a atualidade, onde a mulher, em muitos espaços, ainda é subjugada no ambiente de trabalho. Ainda há muito o que evoluir até conseguirmos uma igualdade entre classe, raça e gênero, mas os movimentos sociais estão crescendo a cada dia e a busca para essa paridade é contínua.
Eliana Gomes Ferreira
Mestranda em educação pelo ITEH